sábado, 7 de julho de 2012

Enfim, o adeus...


Caro leitor,

Aqui chove, chove, chove. E os especialistas na arte de prever o tempo dizem que vai chover ainda mais no Reino Unido nos próximos dias e no mês de agosto inteiro. Há regiões em estado de alerta máximo.

Ontem tivemos a festa de encerramento do ano na Faculdade de Educação. É engraçado, mas encerram o ano letivo aqui no final de junho. Agora são as longas férias de verão - ou do que se pensava que poderia ser o tão esperado verão, que parece que não chegará.

Almocei com minha "host" aqui, a professora Maria Nikolajeva, no restaurante do Homerton College, antes da festa. Tivemos uma agradável conversa.

Às três e meia da tarde começou a festança, com discurso meio nervoso do diretor da Faculdade de Educação, Peter Gronn.

Na foto abaixo apareço com Laura, uma Visiting Scholar espanhola, de Madrid, que chegou aqui em fevereiro e que ficará na Inglaterra, e que se tornou uma amiga. Em outra foto aparecemos eu, Laura e Carmen, uma pesquisadora brasileira, do Rio de Janeiro, que chegou há pouco.

A festa foi divertida. À noite, quando abri um dos meus e-mails, havia uma mensagem da Capes, avisando-me que meu estágio sanduíche chegava ao fim e reforçando o prazo de 60 dias para a prestação de contas. Ao final, me diziam que esperavam que eu retribuísse ao País os investimentos que o governo fez em mim. E eu me pergunto: onde vou encontrar trabalho?

Li esta semana que faltam doutores para as universidades federais porque os salários são baixos. Ao mesmo tempo, as exigências são altas. Afinal, saberão essas pessoas o que é educação? Falta doutor mas, quando buscamos trabalho, as dificuldades são muitas. O que se entende, então, por educação nesse País chamado Brasil?
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A experiência como pesquisadora-estudante no exterior foi riquíssima. De uma riqueza ímpar. Incomparável. Mergulhar em uma outra cultura é um mergulhar profundo também em si mesmo. Já não sou mais a mesma. Nunca somos. Nós mudamos. O rio também muda. Tudo muda. E, talvez, por já não ser a mesma, creio que me sinto cada vez mais perto daquilo que sempre fui.

Se eu quero contribuir para o futuro do País? Claro. Faço isso desde que me entendo por gente. Mas estará esse País interessado mesmo em mim? Em nós? Eu tenho lá minhas dúvidas.

Termino aqui este blog. Valeu a pena a nova experiência de escrever. E agradeço ao meu orientador, Pedro da Cunha Pinto Neto, porque se não fosse ele ter acreditado na minha pesquisa desde o começo, eu não estaria aqui. E foi ele quem me sugeriu criar o blog. Pena que demorei meses para fazê-lo. Acho que era muita informação para minha cabeça digerir.

Estar aqui dá um certo frio na barriga, mas é uma das experiências mais bonitas que eu poderia ter vivido em toda a vida.
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Enfim, Brasil, espero encontrar trabalho depois que eu terminar meu doutorado, nos próximos meses. Não só eu. Que outros colegas também encontrem. Afinal, que doutores mesmo vocês querem ter?

P.S. Obrigada aos colegas e amigos que leram este blog.

Até!
Rosane.
Cambridge, 7 de julho de 2012.













segunda-feira, 2 de julho de 2012

As rosas não falam


Caro leitor,

Hoje, segunda-feira chuvosa e fria, em Cambridge, e nada de o verão chegar. A ilha é assim, pouco iluminada, mas é bonita. Anteontem perdi minha sombrinha. Já é a segunda que perco aqui. Até então, eu não perdia sombrinhas. Por isso, hoje tomei bastante chuva.

E, pela manhã, quando ia à Faculdade de Educação, não resisti a observar uma flor. Na verdade, duas abelhas que me chamaram a atenção. Uma em especial, porque era muito engraçada. Ela entrava na flor e ficava presa no miolo, com as pernas para cima, e tinha a maior dificuldade para sair. Também porque as abelhas aqui são gordas.

Havia várias flores, mas ela gostava de duas. E que abelhinha maluca! Um desespero pelo néctar. Seria fome? Será que ela leu em algum jornal de abelhas que o mundo ia se acabar? Mas o mundo não se acabou. Não que eu saiba.

As flores de hoje, cujo nome desconheço, são cheirosas. Um cheiro diferente. A vida das abelhas não deve ser fácil, mas é muito charmosa. Elas se alimentam do néctar. Voam. Zanzam. Engordam. Talvez emagreçam. Talvez. Vivem algumas meio esbaforidas, como esta que vi hoje pela manhã. Quase lhe perguntei se ela não tinha encontrado meu guarda-chuva aí pelas ruas.

Mas essa abelha não me dava bola. Acho que nem viu que era fotografada. Era uma abelha bem introspectiva e talvez feliz por ser abelha.

Mais tarde, bem mais tarde, fui ao Centro da cidade e entrei na livraria da Universidade de Cambridge para saber se havia um livro que me interessava. Não havia, porque lá só há livros publicados pela própria Universidade. Mas havia um outro, uma publicação mais barata sobre filosofia, intitulado "Fear and Trembling", de Kierkegaard, o pai do existencialismo.

Eu gosto muito dos existencialistas. E acho que esse livro vale pelo título. Perfeito para alguém que está na fase de ir para o fim do doutorado...

No fundo no fundo eu não queria ser abelha. Vai que eu fique presa numa flor e ninguém apareça para me salvar? Como já bem disse o poeta: "As rosas não falam...". E as abelhas também não.

Mas é no silêncio que elas se tornam belas. Inesquecíveis. Como bela e inesquecível é a vida.

Até!
Rosane.
Cambridge, 2 de julho de 2012.














quinta-feira, 28 de junho de 2012

A guarda vermelha - Parte Um


Caro leitor,

Na segunda-feira, pela manhã, fui a Londres fazer umas coisas práticas. E é sempre difícil saber que fomos a Londres, ou a São Paulo, ou ao Rio de Janeiro, para apenas fazer coisas práticas, quando há um monte de outras coisas, muito mais interessantes, e nada práticas, para fazer. Mas as coisas práticas também fazem parte da vida e eu até gosto delas.

Fiz o caminho habitual e tive uma surpresa bem bonita: vi os soldadinhos de chumbo vestidos de vermelho. Como são bonitos e eles me fazem sentir como uma criança. Eu nem imaginava que ia ver, na verdade, os soldadinhos de chumbo quando adulta. Acho que há coisas que são apenas sonho, quando crianças, e que um dia se tornarão realidade. Outras, jamais. Serão apenas sonho.

Sei que peguei a parte final do ritual que os guardas fazem, antes de irem em direção ao Palácio de Buckinham, para iniciar mais um dia de trabalho. Havia muita gente esperando pela passagem deles. No verão é uma multidão e se torna impossível vê-los. Pena que perdi por questão de trinta minutos a apresentação completa deles. Já vi a dos guardas com outro uniforme, mas esses são os "meus" soldadinhos de chumbo da infância, de vermelho. Na verdade, eu nunca tive soldadinhos de chumbo. Eu só os tinha na imaginação.

Mais uma vez, apesar de ser um momento emocionante para mim, me veio à mente a questão da ordem. A maneira como o sistema monárquico acontece. Londres corre contra o relógio. E há muitos relógios na Inglaterra! E aqueles soldados que atravessam a rua, disputada também com os carros afoitos, parecem ter perdido o sentido na história. A monarquia está cada vez mais ultrapassada. A monarquia perdeu o espaço para algo que está em fase de elaboração.

Na Inglaterra, acho que as pessoas vêem as coisas maiores do que são. Tudo é visto sob o ângulo da imponência. Uma colega me diz que é pelo passado do Império Britânico, uma certa nostalgia. Eu não sei. Eu posso estar completamente enganada, porque não sou socióloga, nem cientista política, mas eu sinto no ar o cheiro da decadência. Londres é moderna. É grande. É bonita. Mas eu acho que vejo o coração de Londres, às vezes. E acho que ele se tornou rígido, em meio à frieza de uma cultura que, com suas exceções, não é muito flexível.

Parece que falta vida em Londres. Ela deve estar ainda por desabrochar. Mas só quando as pessoas sentirem essa necessidade. Eu, se fosse inglesa, não suportaria ser inglesa! Eu acho que a vida precisa de riso. De agitação de dentro para fora. De movimento genuíno. De expressão. De vida. Não de contenção.

Londres é uma cidade contida. Uma cultura contida. Sob controle. Como os passos repetidos e ordenados dos soldados da guarda. A repetição milimétrica mantém a ordem. O sistema. E o sistema não gosta muito de expressão. Só de repetição. A roda roda e roda e roda porque, se deixar de rodar, repetidamente, não mais se terá o controle. E o controle é tudo. Mas até quando?

Tentaram fazer o mesmo no Brasil, com a ditadura. Aqueles infelizes nos roubaram parte do futuro e graças a eles temos muitos analfabetos, que não tiveram a chance de estudar. Mas passou a ditadura e veio a senhora democracia. Que já chegou velha. Velha porque na política quase sempre voltam as mesmas pessoas vestidas com novas roupagens. E, infelizmente, muitas vezes eles nos fazem crer que são novos.

Nas monarquias, nas repúblicas, seja onde for, como for, o jogo é muito parecido. Os soldadinhos de chumbo da rainha servem como distração para milhões de turistas e, quando estava lá, me perguntei: "Será que eles são felizes? Será que não acham chato fazer isso diariamente? Não são chatos esses turistas todos? Ou será que eles gostam disso?"

Mas a pergunta é mais profunda: que papel cada um de nós tem em nossas culturas? Nós apenas reproduzimos o sistema? Deixamo-nos levar pelas "distrações"?

Ah, os políticos são ótimos em distrair-nos. O circo. A roda. A repetição. E, se nós não vigiarmos, eles nos apagam do mapa. Já não nos apagaram?

Até!
Rosane.
Cambridge, 28 de junho de 2012.












quarta-feira, 27 de junho de 2012

A guarda vermelha - Parte Dois


Caro leitor,

Aqui seguem as fotos da troca de guarda da rainha, quando eles vão em direção ao Palácio de Bunckinham.

Até!
Rosane.
Cambridge, 27 de junho de 2012.














sábado, 23 de junho de 2012

Quando as palavras tomam forma e fazem sentido


Caro leitor,

Já várias vezes comentei sobre minha frustração com as dificuldades em obter informações na Faculdade de Educação de Cambridge, especialmente relacionadas ao meu objeto de pesquisa. Já disse, também, que eles criaram esse Visiting Scholar há poucos anos, para receber estudantes estrangeiros e professores, mas parece que nem para eles está tão claro do que se trata e também não admitem ser questionados.

Mas hoje não quero falar desses obstáculos. Quero falar das coisas boas que podem acontecer. Das portas que se abrem quando menos esperamos. Quero falar que, nesta vida, um monte de vezes, as pessoas de quem esperamos algo, são aquelas que menos nos auxiliam e, um monte de vezes, mais nos decepcionam. Até nos atrapalham, nos prejudicam.

Por acaso, há uma semana, mais ou menos, no café da Faculdade de Educação, eu me sentei com umas colegas e, de repente, o professor John Gray se sentou conosco. Faz muito pouco tempo que o conheci. É que ele passou a freqüentar a sala onde fico, a 1S6 (Media Production), no 1º piso, porque chegou uma professora-visitante que está ligada a ele e, então, comecei a vê-lo.

Sei que ele olhou para mim e me perguntou sobre o que eu pesquiso e, educadamente, me disse que já houve algo parecido, na Inglaterra, relacionado ao envio de livros grátis às escolas. Então, me chamou à sua sala, me entregou um livro antigo, e nele encontrei um capítulo com informações muito interessantes sobre o meu objeto de pesquisa, que me mostrou uma certa coerência entre o que eu via nas escolas em Campinas (SP) e o que se presenciava nas escolas britânicas quanto a bibliotecas.

Voltei para minha sala e, um tempo depois, ele entrou com um texto que encontrou na internet e, gentilmente, me entregou. E uma colega me disse: "Você sabe quem é ele?" E lhe disse: "Não". E ela me disse: "Ele é o diretor do Homerton College e vice-diretor da Faculdade de Educação". Interessante a vida. Ela estava preocupada com a posição que ele ocupa e eu muito feliz por saber que, ainda que a vida seja cheia de obstáculos, de repente, pessoas legais surgem pelo caminho.

E, por fim, na sexta-feira, 22, decidi participar de um seminário durante todo o dia na Trumpington House, que fica ao lado da Faculdade de Educação. A temática central era "capabilities". Na verdade, nunca tinha ouvido falar nessa "moda" nas escolas e até agora não sei bem do que se trata...

E, para surpresa minha, a segunda palestra foi reveladora para mim. Uma professora da Universidade de Northampton, Cristina Devecchi, falou durante poucos minutos, mas traçou um panorama crítico do momento atual da educação no Reino Unido, o que clareou para mim tudo aquilo que eu tinha levantado -  lendo, visitando, ouvindo, pesquisando -, mas ainda não tinha encontrado ninguém  para confirmar minhas hipóteses - ou pelo menos esclarecê-las - sobre o que tem ocorrido com a educação britânica e as profundas mudanças que foram iniciadas no ano passado e que têm deixado todos muito confusos.

Espero ter tempo de escrever sobre isso. Pode ser que eu não tenha. Mas o que importa é que, entre a teoria e a prática, entre o que o governo quer e entre o que é possível, há uma profunda distância. Como no Brasil, as políticas de educação aqui são apenas políticas, que amarram, que atam, e estão focadas em fórmulas "mágicas" a serem seguidas.

Há poucos dias, escrevi a uma professora aqui da Inglaterra, porque encontrei um livro dela e de um outro autor, de 1998, sobre leitura, e queria saber a atualidade dos dados. Ela me disse que muita coisa mudou, desde então, e me sugeriu buscar informações no site do Literacy Trust. Um dos artigos que encontrei era uma crítica ao Secretário de Estado da Educação, Michael Gove, que em 2011 foi aos Estados Unidos e voltou com a idéia de que cada aluno do Reino Unido teria que ler 50 livros por ano...

Alguma semelhança com os políticos do Terceiro Mundo talvez não seja mera coincidência...

Mas, enfim, a fala da professora Cristina era o arremate que faltava. Ao final da apresentação, fui até ela e lhe disse que bom tê-la ouvido falar. Ela, quando soube que eu era do Brasil, se  mostrou muito interessada, porque vai receber em julho uma pesquisadora brasileira e me disse que está interessada nesse tema, "capabilities", que também está emergindo no Brasil. 

No mais, agora, é só voltar à essência da tese, talvez com mais perguntas que respostas. Mas o bom é saber que não estamos sozinhos nesse barco. Que há pessoas críticas aqui, que vivem aqui, e que não são como vários professores que tenho conhecido na Faculdade de Educação de Cambridge, que apenas reproduzem o sistema ou desprezam pesquisas em escolas públicas, porque consideram isso coisa de baixo nível ou nem consideram pesquisa... Sim, porque talvez eles, como muitos pesquisadores do Brasil, da área de Educação, nunca tenham posto o pé numa escola pública.

No mais, me senti feliz, confortável, animada com a tese. Acho que as coisas são muito mais complexas do que se imagina. O Reino Unido passa por profundas mudanças - e bem recentes - e talvez eu tenha tido a sorte de estar aqui nesse momento de transição. Muita coisa para ser compreendida. Realidades muito distintas e, ao mesmo tempo, muito parecidas.

Não morro de amores pelos políticos ingleses, mas imagino que raridades como Gabriel Chalita, Marconi Perillo, Demóstenes Torres, Doutor Hélio, e por aí vai, não são encontradas em qualquer canto. Essa terra que tinha palmeiras e sabiás, e que nem tudo que se planta, dá, com certeza é fértil para políticos corruptos e, em vários aspectos, estou certa de que eles conseguem ser piores do que a maioria ao redor do mundo. E sem brio. 

E me pergunto: o que é possível fazer para mudar?

Obs.: As fotos são de "Alice no País das Maravilhas", um livro enorme que comprei na British Library, em Londres, para levar comigo ao Brasil e mostrar às pessoas. Aqui se publicam livros infantis gigantes. Nunca vi algo parecido no Brasil. Gigante no Brasil, só mesmo a corrupção. Às vezes me dá uma preguiça do Brasil.

Até!
Rosane.
Cambridge, 24 de junho de 2012.