quinta-feira, 7 de junho de 2012

A escola dos sonhos


Caro leitor,

Aqui já é bem tarde. Como passei o dia inteiro na Faculdade, e parte da noite, depois que cheguei em casa resolvi caminhar.

Uma vez, um cardiologista de Goiânia me disse que caminhar faz muito bem ao coração.

A noite estava bonita no começo, mas depois começou a ficar muito escura.

Aqui na Inglaterra há noites muito escuras. É como se estivéssemos dentro de uma caverna, ou de um útero, que parece que começa a nos engolir.

Eu gosto porque tudo ainda soa como muito novo, mas às vezes confesso que soa bastante assustador. Eu não tenho lembranças do período em que estava no útero, mas acho que deve ser algo parecido. Um ambiente escuro, meio barulhento, ou silencioso, não sei (depende da mãe!!!), que se contrai e se expande.

Parece que a primavera por aqui não vai mesmo ter sol. Já até me acostumei. Aliás, em partes, porque a falta do sol faz o corpo pesar demais e dá muito sono. É até divertido. Mesmo quem é europeu, ou não é europeu mas já viveu por muito tempo na Europa, se sente meio alquebrado com esse clima da Inglaterra.

Andar de bicicleta, como eu já disse, é uma constante façanha nos dias mais frios e ventosos - que são praticamente uma constante aqui. O vento faz o corpo pesar mil quilos.
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Mudando de assunto...

Caminhando pela noite em busca, talvez, de uma inspiração, vi que começaram a aparecer caramujos aos montões pelas ruas. Eu sempre achei que fosse encontrar por aqui um coelho, como o de Alice, que me mostrasse o caminho da inspiração, mas, como diz o Chico Buarque numa canção: "Qual o quê!"

Se bem que dia desses vi um coelho gracioso e pena que não estava com minha máquina. Mas acho que não era o de Alice, porque ele não usava gravata e não conversou comigo. No lugar de coelhos, caramujos.

Fiquei me perguntando que língua falam esses caramujos ingleses e se a comunicação entre eles flui melhor que a comunicação entre os homens. Na verdade, acho que o que flui mesmo entre os homens é a falta de comunicação.

Tomei o maior cuidado para não pisar em nenhum caramujo, mas acho que, num momento de descontração, eu estraçalhei um deles, porque ouvi um crack meio arrastado. Pobrezinho! Eu detesto matar animais.

Quando eu caminhava, tive umas idéias ótimas para escrever este texto, mas agora, tarde da noite, elas se evaporaram. Acho que se perderam no céu escuro e ventoso da Inglaterra. Ou vai ver que é cansaço.

Os caramujos são feios e melequentos. E vivem em bandos. Gosto do casco deles. E também gosto da maneira lenta como caminham pela vida. Eu ando tão apressada.

Acho que tenho muita pressa, como o coelho de Alice. Vai ver que é por isso que não o encontro porque, com tanta pressa, passamos um pelo outro e não nos vemos.

Se eu falasse a língua dos caramujos, talvez eu pudesse lhes perguntar como reduzir os passos. Como caminhar pela vida mais lentamente. Como deixar que a vida caminhe também lentamente por mim.

Se eu falasse a língua dos caramujos.

Se eu falasse a língua dos homens.

Se eu falasse a língua dos anjos.

Mas eu acho que às vezes eu falo uma língua incompreensível. Talvez tenham me ensinado na escola uma língua que ainda não é a língua mais propícia à comunicação mais profunda entre mim e o outro.

Como dizem a poesia e a bonita canção:

Eu não sou eu nem sou o outro, 
Sou qualquer coisa de intermédio: 
Pilar da ponte de tédio 
Que vai de mim para o outro.

Um dia ainda vão inventar escolas com língua e pessoas que possam se comunicar por meio de uma linguagem mais humana. Talvez seja a escola perfeita.

Obs.: Foi muito difícil fotografar os caramujos, mesmo com flash. Mesmo com luzes nas ruas, a escuridão da Terra não permitiu fotos boas. E a maioria saía desfocada.

Estaria a vida fora de foco esta noite? Ou esta noite é a noite só dos caramujos, para os caramujos?

Até!
Rosane.
Cambridge, 8 de junho de 2012.









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