quinta-feira, 28 de junho de 2012

A guarda vermelha - Parte Um


Caro leitor,

Na segunda-feira, pela manhã, fui a Londres fazer umas coisas práticas. E é sempre difícil saber que fomos a Londres, ou a São Paulo, ou ao Rio de Janeiro, para apenas fazer coisas práticas, quando há um monte de outras coisas, muito mais interessantes, e nada práticas, para fazer. Mas as coisas práticas também fazem parte da vida e eu até gosto delas.

Fiz o caminho habitual e tive uma surpresa bem bonita: vi os soldadinhos de chumbo vestidos de vermelho. Como são bonitos e eles me fazem sentir como uma criança. Eu nem imaginava que ia ver, na verdade, os soldadinhos de chumbo quando adulta. Acho que há coisas que são apenas sonho, quando crianças, e que um dia se tornarão realidade. Outras, jamais. Serão apenas sonho.

Sei que peguei a parte final do ritual que os guardas fazem, antes de irem em direção ao Palácio de Buckinham, para iniciar mais um dia de trabalho. Havia muita gente esperando pela passagem deles. No verão é uma multidão e se torna impossível vê-los. Pena que perdi por questão de trinta minutos a apresentação completa deles. Já vi a dos guardas com outro uniforme, mas esses são os "meus" soldadinhos de chumbo da infância, de vermelho. Na verdade, eu nunca tive soldadinhos de chumbo. Eu só os tinha na imaginação.

Mais uma vez, apesar de ser um momento emocionante para mim, me veio à mente a questão da ordem. A maneira como o sistema monárquico acontece. Londres corre contra o relógio. E há muitos relógios na Inglaterra! E aqueles soldados que atravessam a rua, disputada também com os carros afoitos, parecem ter perdido o sentido na história. A monarquia está cada vez mais ultrapassada. A monarquia perdeu o espaço para algo que está em fase de elaboração.

Na Inglaterra, acho que as pessoas vêem as coisas maiores do que são. Tudo é visto sob o ângulo da imponência. Uma colega me diz que é pelo passado do Império Britânico, uma certa nostalgia. Eu não sei. Eu posso estar completamente enganada, porque não sou socióloga, nem cientista política, mas eu sinto no ar o cheiro da decadência. Londres é moderna. É grande. É bonita. Mas eu acho que vejo o coração de Londres, às vezes. E acho que ele se tornou rígido, em meio à frieza de uma cultura que, com suas exceções, não é muito flexível.

Parece que falta vida em Londres. Ela deve estar ainda por desabrochar. Mas só quando as pessoas sentirem essa necessidade. Eu, se fosse inglesa, não suportaria ser inglesa! Eu acho que a vida precisa de riso. De agitação de dentro para fora. De movimento genuíno. De expressão. De vida. Não de contenção.

Londres é uma cidade contida. Uma cultura contida. Sob controle. Como os passos repetidos e ordenados dos soldados da guarda. A repetição milimétrica mantém a ordem. O sistema. E o sistema não gosta muito de expressão. Só de repetição. A roda roda e roda e roda porque, se deixar de rodar, repetidamente, não mais se terá o controle. E o controle é tudo. Mas até quando?

Tentaram fazer o mesmo no Brasil, com a ditadura. Aqueles infelizes nos roubaram parte do futuro e graças a eles temos muitos analfabetos, que não tiveram a chance de estudar. Mas passou a ditadura e veio a senhora democracia. Que já chegou velha. Velha porque na política quase sempre voltam as mesmas pessoas vestidas com novas roupagens. E, infelizmente, muitas vezes eles nos fazem crer que são novos.

Nas monarquias, nas repúblicas, seja onde for, como for, o jogo é muito parecido. Os soldadinhos de chumbo da rainha servem como distração para milhões de turistas e, quando estava lá, me perguntei: "Será que eles são felizes? Será que não acham chato fazer isso diariamente? Não são chatos esses turistas todos? Ou será que eles gostam disso?"

Mas a pergunta é mais profunda: que papel cada um de nós tem em nossas culturas? Nós apenas reproduzimos o sistema? Deixamo-nos levar pelas "distrações"?

Ah, os políticos são ótimos em distrair-nos. O circo. A roda. A repetição. E, se nós não vigiarmos, eles nos apagam do mapa. Já não nos apagaram?

Até!
Rosane.
Cambridge, 28 de junho de 2012.












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