sábado, 23 de junho de 2012

Quando as palavras tomam forma e fazem sentido


Caro leitor,

Já várias vezes comentei sobre minha frustração com as dificuldades em obter informações na Faculdade de Educação de Cambridge, especialmente relacionadas ao meu objeto de pesquisa. Já disse, também, que eles criaram esse Visiting Scholar há poucos anos, para receber estudantes estrangeiros e professores, mas parece que nem para eles está tão claro do que se trata e também não admitem ser questionados.

Mas hoje não quero falar desses obstáculos. Quero falar das coisas boas que podem acontecer. Das portas que se abrem quando menos esperamos. Quero falar que, nesta vida, um monte de vezes, as pessoas de quem esperamos algo, são aquelas que menos nos auxiliam e, um monte de vezes, mais nos decepcionam. Até nos atrapalham, nos prejudicam.

Por acaso, há uma semana, mais ou menos, no café da Faculdade de Educação, eu me sentei com umas colegas e, de repente, o professor John Gray se sentou conosco. Faz muito pouco tempo que o conheci. É que ele passou a freqüentar a sala onde fico, a 1S6 (Media Production), no 1º piso, porque chegou uma professora-visitante que está ligada a ele e, então, comecei a vê-lo.

Sei que ele olhou para mim e me perguntou sobre o que eu pesquiso e, educadamente, me disse que já houve algo parecido, na Inglaterra, relacionado ao envio de livros grátis às escolas. Então, me chamou à sua sala, me entregou um livro antigo, e nele encontrei um capítulo com informações muito interessantes sobre o meu objeto de pesquisa, que me mostrou uma certa coerência entre o que eu via nas escolas em Campinas (SP) e o que se presenciava nas escolas britânicas quanto a bibliotecas.

Voltei para minha sala e, um tempo depois, ele entrou com um texto que encontrou na internet e, gentilmente, me entregou. E uma colega me disse: "Você sabe quem é ele?" E lhe disse: "Não". E ela me disse: "Ele é o diretor do Homerton College e vice-diretor da Faculdade de Educação". Interessante a vida. Ela estava preocupada com a posição que ele ocupa e eu muito feliz por saber que, ainda que a vida seja cheia de obstáculos, de repente, pessoas legais surgem pelo caminho.

E, por fim, na sexta-feira, 22, decidi participar de um seminário durante todo o dia na Trumpington House, que fica ao lado da Faculdade de Educação. A temática central era "capabilities". Na verdade, nunca tinha ouvido falar nessa "moda" nas escolas e até agora não sei bem do que se trata...

E, para surpresa minha, a segunda palestra foi reveladora para mim. Uma professora da Universidade de Northampton, Cristina Devecchi, falou durante poucos minutos, mas traçou um panorama crítico do momento atual da educação no Reino Unido, o que clareou para mim tudo aquilo que eu tinha levantado -  lendo, visitando, ouvindo, pesquisando -, mas ainda não tinha encontrado ninguém  para confirmar minhas hipóteses - ou pelo menos esclarecê-las - sobre o que tem ocorrido com a educação britânica e as profundas mudanças que foram iniciadas no ano passado e que têm deixado todos muito confusos.

Espero ter tempo de escrever sobre isso. Pode ser que eu não tenha. Mas o que importa é que, entre a teoria e a prática, entre o que o governo quer e entre o que é possível, há uma profunda distância. Como no Brasil, as políticas de educação aqui são apenas políticas, que amarram, que atam, e estão focadas em fórmulas "mágicas" a serem seguidas.

Há poucos dias, escrevi a uma professora aqui da Inglaterra, porque encontrei um livro dela e de um outro autor, de 1998, sobre leitura, e queria saber a atualidade dos dados. Ela me disse que muita coisa mudou, desde então, e me sugeriu buscar informações no site do Literacy Trust. Um dos artigos que encontrei era uma crítica ao Secretário de Estado da Educação, Michael Gove, que em 2011 foi aos Estados Unidos e voltou com a idéia de que cada aluno do Reino Unido teria que ler 50 livros por ano...

Alguma semelhança com os políticos do Terceiro Mundo talvez não seja mera coincidência...

Mas, enfim, a fala da professora Cristina era o arremate que faltava. Ao final da apresentação, fui até ela e lhe disse que bom tê-la ouvido falar. Ela, quando soube que eu era do Brasil, se  mostrou muito interessada, porque vai receber em julho uma pesquisadora brasileira e me disse que está interessada nesse tema, "capabilities", que também está emergindo no Brasil. 

No mais, agora, é só voltar à essência da tese, talvez com mais perguntas que respostas. Mas o bom é saber que não estamos sozinhos nesse barco. Que há pessoas críticas aqui, que vivem aqui, e que não são como vários professores que tenho conhecido na Faculdade de Educação de Cambridge, que apenas reproduzem o sistema ou desprezam pesquisas em escolas públicas, porque consideram isso coisa de baixo nível ou nem consideram pesquisa... Sim, porque talvez eles, como muitos pesquisadores do Brasil, da área de Educação, nunca tenham posto o pé numa escola pública.

No mais, me senti feliz, confortável, animada com a tese. Acho que as coisas são muito mais complexas do que se imagina. O Reino Unido passa por profundas mudanças - e bem recentes - e talvez eu tenha tido a sorte de estar aqui nesse momento de transição. Muita coisa para ser compreendida. Realidades muito distintas e, ao mesmo tempo, muito parecidas.

Não morro de amores pelos políticos ingleses, mas imagino que raridades como Gabriel Chalita, Marconi Perillo, Demóstenes Torres, Doutor Hélio, e por aí vai, não são encontradas em qualquer canto. Essa terra que tinha palmeiras e sabiás, e que nem tudo que se planta, dá, com certeza é fértil para políticos corruptos e, em vários aspectos, estou certa de que eles conseguem ser piores do que a maioria ao redor do mundo. E sem brio. 

E me pergunto: o que é possível fazer para mudar?

Obs.: As fotos são de "Alice no País das Maravilhas", um livro enorme que comprei na British Library, em Londres, para levar comigo ao Brasil e mostrar às pessoas. Aqui se publicam livros infantis gigantes. Nunca vi algo parecido no Brasil. Gigante no Brasil, só mesmo a corrupção. Às vezes me dá uma preguiça do Brasil.

Até!
Rosane.
Cambridge, 24 de junho de 2012.










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