Caro leitor,Prometo que tentarei, a partir da próxima semana, escrever uns textos mais leves, mas é que sou jornalista e professora e pesquisadora e, cada vez que abro os jornais, acabo me envolvendo com aquilo que leio.
Assim que terminei o relatório do Ofsted, que fiscaliza o ensino aqui na Inglaterra, fiquei com uma só sensação: a de que o peso da qualidade do ensino fica sempre nas costas do professor e da equipe da escola. Quando eles se empenham, a leitura flui; quando não, a leitura não flui.
Está certo que eles mencionam a necessidade de se ter as condições físicas propensas ao estímulo à leitura, batem mil vezes na tecla da alfabetização para a leitura como essencial para a formação do leitor, com o que concordo em parte, mas, para ser sincera, esse relatório, que é o atual, ao invés de esclarecer, trouxe mais dúvidas ainda à minha cabeça.
No curso que fiz no CLPE, em Londres, tive a mesma sensação, a de que se tenta pintar um cenário cor-de-rosa, perfeito, quando a realidade é bem outra. E hoje, dando uma olhada em alguns jornais brasileiros, vi uma notícia em O Globo, com o seguinte título: "Fuvest e Unicamp divulgam lista de livros obrigatórios para vestibular". Veja a lista:
Viagens na minha terra, Almeida Garrett; Til, José de Alencar; Memórias de um sargento de milícias, Manuel Antônio de Almeida; Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis; O cortiço, Aluísio Azevedo; A cidade e as serras, Eça de Queirós; Vidas secas, Graciliano Ramos; Capitães da areia, Jorge Amado; Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade.
Essa lista me fez viajar no tempo e achar que pouca coisa mudou em termos de ensino. Não que eu não goste desses autores. Mas é que quando eu ainda era garota, e estudava lá na escola pública, em Goiás, já me solicitavam alguns desses títulos, e nem era para vestibular, claro, era leitura obrigatória mesmo. O problema é que esses livros simplesmente são ignorados pela maioria das escolas públicas. O PNBE, em geral, envia essas obras para as escolas, mas envia também outras, coisas como "Até as princesas soltam pum"!!!
A questão é que, junto com os clássicos, vai também o lixo, vai muita porcaria, que passa pelos avaliadores do PNBE. O que encontrei durante a pesquisa em escolas públicas, em Campinas (SP), é que os estudantes parecem gostar mesmo é de ler Harry Potter, pois são até estimulados a isso; gostam da saga Crepúsculo, coisas assim.
Ou seja, o estudante de escola particular, ou aquele que faz cursinho, vai ter sempre mais chances de ser aprovado no vestibular, especialmente porque é comum ele estudar o resumo dessas obras, e, mesmo não as lendo de verdade, ele estará sempre à frente dos alunos das escolas públicas.
No fundo, todos estamos perdendo: o estudante da escola pública, alheio ao seu próprio destino; o da escola particular que, geralmente, finge que lê, mas não lê; e nós, cidadãos, que vemos nosso dinheiro bailar em direção à conta dos editores, que entulham as escolas públicas de livros vãos, com o aval do governo brasileiro.
Aqui, no Reino Unido, há também uma tendência a se preferir esses livros da moda como referência para leitura, embora o National Curriculum mencione a necessidade de se ler Shakespeare. Voltarei a essa temática.
(Pode parecer caretice, mas eu ainda prefiro as princesas quando elas não soltavam pum, ou, pelo menos, quando eu não precisava saber que soltavam.)
A foto, acima, "Novel reader", ou a leitora de romance, é de Vincent Van Gogh. Se você vier a Londres, vai ver de graça quadros dele na National Gallery.
Até!
Rosane.
Cambridge, 20 de janeiro de 2012.
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