Olá, leitor!Aqui na Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge, quando se inicia o período letivo, que eles chamam de "term", há várias atividades que acontecem ao mesmo tempo, como se vê em quase toda universidade.
Há uma disciplina aqui para estudantes da graduação que apresenta filmes e, na semana passada, vi que o primeiro filme do ano será Cidade de Deus. Enviei um e-mail à pessoa responsável para lhe dizer que há um filme muito interessante sobre o Brasil, "Lixo extraordinário" (http://www.lixoextraordinario.net/) ou "Waste land". Disse-lhe que não gosto muito desses filmes que mostram a violência por si só, como se vê em Cidade de Deus.
E, nessa troca de e-mails, hoje me veio à cabeça o documentário "Estamira", do Marcos Prado, e encontrei na internet um link para ver o filme inteiro, com legendas em Inglês, e enviei para a pessoa responsável pela sessão de filmes. O link é:
Estamira morreu em julho do ano passado, aos 70 anos, pobre, doente e desassistida pelo Estado brasileiro, como foi durante toda a sua vida. O diretor Marcos Prado, que se tornou amigo de Estamira, denunciou que houve negligência do Hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro, o que resultou na morte da catadora de lixo, que trabalhou por mais de vinte anos no aterro sanitário do Jardim Gramacho.
Estamira foi mais uma, entre tantas pessoas, que nascem e morrem em solo brasileiro, mas não existem aos olhos do Estado. Nesse grande país chamado Brasil, ainda há muita coisa encoberta. Ainda há muita perversidade política. Ainda há muitos coronéis travestidos de tecnocratas. Ainda há muita gente se aproveitando do que é público para se tornar bem-sucedido na vida. Há muita gente que tem pavor de falar em educação, porque teme mudanças radicais.
Ainda há muita cegueira (preciso ler mais o genial Saramago), mas, um dia, quem sabe, haverá luz. Estamira não estará mais aqui para vê-la. Mas, apesar da pobreza, do abandono, dos estupros que ela sofreu, da doença mental, acho que ela teve seus momentos de felicidade. E acho que Estamira era muito mais lúcida do que muitos por aí. Mas sobre lucidez não se fala. Incomoda, incomoda muita gente por aí!
Aqui ainda estamos de férias. Amanhã começará o primeiro curso de que pretendo participar, como ouvinte. Vou aproveitar o solzinho lá fora para ir ao Centro da cidade. Afinal, pesquisar demais às vezes cansa. Falar demais sobre o Brasil às vezes também cansa. Cansa muito o Brasil. Cansa demais, muitas vezes, ser brasileira. Ou seria não ser?
Não sei mais se sou tão brasileira assim. Há muito, mas muito tempo, acho que o Brasil tem se perdido de mim para, talvez, um dia, fazermos as pazes. Esses políticos aí, aqui, acolá, têm a capacidade imensa de interferir no nosso ânimo. Mas eles não vão me fazer deixar de gostar do Brasil. Ainda que tentem e tentem. Se eu deixar de gostar do Brasil será por escolha própria, ou por acontecimento. Mas se eu deixar de gostar do Brasil, vou gostar de quê?
Já sei: vou criar uma terra imaginária, uma nova pátria, onde a primeira regra será...
(Isso não vai funcionar. Para certas coisas, a literatura não serve).
A literatura só serve para nos ajudar a ver a poesia que há. A literatura só serve para estimular nossa mente a ver aquilo que, tantas vezes, os olhos já não vêem mais. Acho que a literatura é a chave que abre a porta.
Não é à toa, mas é por mero acontecimento da vida, que estou aqui, no País das Maravilhas, porque sei que, mais cedo ou mais tarde, o coelho passará na minha frente e me mostrará o caminho. Eu ainda encontrarei as respostas.
Até!
Rosane.
Cambridge, 19 de janeiro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário